É comum ouvir, vez ou outra, que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada em 1943, tem suas raízes no fascismo. Essa ideia, espalhada muitas vezes sem uma análise aprofundada, é na verdade um mito que desvaloriza o verdadeiro propósito da legislação trabalhista brasileira. A CLT, ao contrário do que se diz, não é fruto de uma ideologia autoritária, mas sim de princípios que nasceram de uma visão humanista e solidária, fundamentada na Doutrina Social da Igreja Católica.
Para entender isso, precisamos olhar para as encíclicas sociais da Igreja, como a Rerum Novarum (1891) e a Quadragesimo Anno (1931), que foram grandes marcos no pensamento social cristão. Esses documentos não apenas denunciaram os abusos contra os trabalhadores, mas também propuseram soluções baseadas na justiça social, dignidade humana e respeito à pessoa. E é exatamente essa filosofia que inspirou o surgimento da CLT.
O contexto por trás da Doutrina Social da Igreja
No final do século XIX, a Revolução Industrial havia transformado o mundo. Por um lado, ela trouxe avanços tecnológicos; por outro, trouxe também a exploração extrema da força de trabalho. Os operários, em sua maioria, viviam em condições degradantes, submetidos a jornadas extenuantes e salários miseráveis. Foi nesse cenário que o Papa Leão XIII escreveu a encíclica Rerum Novarum (das “Coisas Novas”), em 1891.
Essa encíclica foi um marco. Pela primeira vez, uma autoridade global defendia princípios como o direito a um salário justo, a necessidade de limites ao poder do capital e o direito dos trabalhadores à associação, como sindicatos. Não se tratava de um ataque ao capitalismo, mas de uma tentativa de equilibrar as relações entre trabalho e capital, com base na justiça e na dignidade humana.
Quarenta anos depois, em 1931, o Papa Pio XI retomou essas ideias e as aprofundou na encíclica Quadragesimo Anno. O contexto já era outro: o mundo enfrentava as consequências da Grande Depressão e o surgimento de governos autoritários. Nesse documento, Pio XI reafirmou a centralidade do trabalho humano e o apresentou como uma expressão da dignidade de cada pessoa, além de destacar a necessidade de um sistema que promovesse o equilíbrio social.
A influência na CLT
Agora, vamos avançar para 1943, o ano em que a CLT foi promulgada no Brasil. Embora a criação da Consolidação das Leis do Trabalho tenha ocorrido durante o período do Estado Novo, um regime autoritário liderado por Getúlio Vargas, suas bases filosóficas vão muito além daquele momento político. A CLT, na verdade, foi construída sobre princípios universais e atemporais, fortemente influenciados pela Doutrina Social da Igreja.
O jurista Maurício Godinho Delgado, uma das maiores referências em Direito do Trabalho no Brasil, destaca que a CLT representa a materialização de um Direito do Trabalho que busca equilibrar as forças nas relações trabalhistas. Ela é um instrumento que promove a justiça social e protege o trabalhador de condições degradantes. É exatamente isso que a Doutrina Social da Igreja prega: uma convivência harmônica entre trabalho e capital, com base na dignidade humana.
Por que a CLT ainda é tão importante?
Vivemos em um mundo marcado pela desigualdade social. As relações de trabalho, por mais modernas que pareçam, ainda enfrentam desafios como a precarização, o desemprego e a perda de direitos. Nesse contexto, a CLT permanece como um símbolo de proteção e equilíbrio, buscando evitar que o trabalhador seja tratado apenas como uma peça descartável no sistema produtivo.
A história da CLT nos lembra que o Direito do Trabalho não é uma concessão de governos, mas uma conquista de lutas sociais que visam um mundo mais justo e solidário. É um reflexo do que a humanidade pode alcançar quando busca o bem comum e se compromete com o respeito à dignidade de cada pessoa.
Um legado de cuidado e respeito
Algo muito bonito na história da CLT é como ela reflete uma visão que vai além do material. Leis que protegem os trabalhadores não são apenas normas jurídicas; elas representam um compromisso ético e moral com a justiça social. São um lembrete de que somos responsáveis uns pelos outros, de que nossa sociedade só será verdadeiramente forte quando tratar todos com respeito e dignidade.
A Doutrina Social da Igreja tem como fundamento o amor ao próximo. Ela nos chama a construir relações de trabalho que não sejam baseadas apenas na produtividade e no lucro, mas na valorização do ser humano. É esse o espírito que permeia a CLT: uma legislação que busca harmonia, equilíbrio e a construção de uma sociedade mais solidária.
Desmistificando mitos
Ao desmistificarmos a ideia de que a CLT é fruto de uma ideologia autoritária, percebemos que seu verdadeiro significado está em seu propósito humanitário. Ela não é um símbolo de controle, mas sim de cuidado e proteção. Não é um legado de opressão, mas de justiça social.
Hoje, mais do que nunca, é essencial que defendamos essa visão. Em tempos de crescente precarização e desinformação, precisamos nos lembrar da importância das leis que protegem a dignidade do trabalhador. O trabalho não é apenas um meio de subsistência; é uma expressão da dignidade humana, uma oportunidade de contribuir para o bem comum e de exercer nossa cidadania.
Um convite à reflexão
Que possamos olhar para a CLT com outros olhos. Que possamos enxergar nela um reflexo de algo maior: o compromisso com a justiça, a solidariedade e o respeito ao próximo. Que possamos entender que, longe de ser uma herança de regimes autoritários, ela é um marco de esperança e equilíbrio.
E você, o que pensa sobre a CLT? Vamos conversar sobre isso! Deixe seus comentários, compartilhe sua opinião e ajude a desmistificar esse importante capítulo da nossa história.